Num ermo
nas imediações de um não-lugar
fui encontrar um estilhaço de mim

espalhado
meu ser quebrado
vagueia nas ruas assim
estilhaçado

Não há unidade em mim
não há corpo
há órgãos
sem pele
que os sustenha
são ectópicos
fugindo sempre dos lugares
que são meus

andam à solta
e não se reconhecem
como eus





Parada na esquina da espera

Se parasse agora onde estou,
ninguém me chamaria,
pensava.

Parei

Ninguém me chamou
Ninguém sabe como sei
que não sabem que eu os sei.

mas é isto
sou pequena
ainda me sei pequena
porque os sei

Parei

Ninguém me chamou
Ninguém me procurou
Ninguém soube
Que eu os sei

Repetidamente
De repente

Parei

E de novo
Ninguém

Cresci só
Numa esquina que os sabe
sem saber que eu os sei

Um dia cessarei a espera
Só não sei se crescerei
mais do que o crescida que fui pequena.

Agora fica-me o gosto
de saber que sempre soube
de que faço anos em Agosto
mais anos do que alguma vez contei
E todo este turbilhão em mim coube
pois desde sempre pude dizer           EU SEI









Um que chora

Alguém me ouve se me gritar
se me gritar de mim afora
e voltar a estar
aqui e agora?

Há um ímpeto
de um Ícaro que chora

Roubei-lhe as asas
mas ao invés de subir ao sol
voei para baixo
para o abismo
e quem me guarda agora
é o preciosismo
de um frasco cheio de formol

Quem terá assim nas casas
formol para guardar as asas?

Sou um morcego
mas um reles morcego
um terço de mouco
dois terços de cego

Sou esse pouco

Há um ímpeto
de um Ícaro que chora

Alguém me ouvirá
se me gritar daqui afora?

Alguém me saberá
depois de agora?

Não sei
e o Ícaro, esse
chora.

O desespero não

Os dias passam
O desespero não

A chuva passa
O desespero não

As pessoas passam 
O desespero não

Pisam 
falam 
expiram
é Primavera e anda-se nas ruas 
mas o desespero não
esconde-se dentro

Aquela criança

A inocência passa
O desespero não

Quem fosse para sempre
perceberia
que tudo passa
que o desespero não

como sombra espalha-se 
é tapar o sol eternamente
sem que no entanto 
se deixe de o saber
ali
tão perto
mas não deixa
                       O desespero

O desespero não

Arranca a dor ao peito
espalha-a pelo chão
e as pessoas
pisam
falam
expiram
mas vivem
e são

O desesperado,
O desespero
                     não

manchas-palavra ressalvam no papel
alguém que não quis morrer.
Sinto-me a esses alguéns fiel
também eu me escuso perecer.

Mas que sentir insubmisso
é esse que me afunda o morrer?
Recuso-me a ser menos que tal
Imortal
Mas,         e se no fim perder?
Que fará a sobrevida disso?

Inundam-me questões dolorosas
duplamente facetadas
como um bouquet de rosas
que macera as mãos sobre ele cerradas
enquanto mostra luminosas
as rosas espinhadas

Que é isso de não morrer?

Para uns é ter filhos

Para mim é escrever.
Como poderia eu prever
um segundo de ti
sem ainda sequer conhecer
o que andavas por aí

Pensava, talvez demais
que a tua morada em mim
estava rodeada por vitrais.
Mas não era bem assim

Dentro do coração,
cabe um pouco de tudo
o que queremos ter à mão.
Pena que seja mudo.

Imagino um coração
aberto e eloquente
onde coubesse essa ilusão.
Cheio de risos de gente

Mas não rio, nem disso.
Sei que não te tenho.
Fizera antes um esquisso,
ou talvez mesmo um desenho.

Não sobraria espaço
não para tudo isso.
Talvez saiba meu regaço
guardar-se insubmisso.

Apenas sei que te quero
como se quer, só e assim.
E a cada segundo que espero
morre mais um pouco de mim.




Para sempre

Pára!
Arder
para sempre
incessando cada momento
cristalizando o agora
como se fôra
sempre
para sempre

Pára!
Arderemos
como e com o amor que deve ser

E por entre labaredas dirás que me amas
por entre chamas

Pára!
Não me perguntes
não te perguntes
isto ou aquilo só é
por via de ter que ser

mais nada

e nem o nada é nada
se não tiver que o ser

Percebes agora e assim
o que tem que ser em mim?

Não digas nada
o silêncio tem mais valor
que uma frase mal rasgada

É verdade

temos que rasgar bem as frases
se não, não dizem nada.

percebes agora
porque prefiro querer-te calada?

O fogo
o Amor
manobram a mesma espada.

Sei-te em mim e basta

de mim não sabes
mas isso deve-se só
ao facto de falar calada

se aprenderes a ouvir-me silêncio
querer-me-ás
até não haver madrugada

Não sei o preço do que te peço
mas Pára
e faz-te minha parte
pois no sumiço a dois
seremos uma e a mesma arte

E no fim

Arderemos
e faremos desse fogo
Baluarte




cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...