Sei-te amor em mim e aí ubiquamente
onde te busco com a mente
e te encontro com os lábios

A boca sôfrega
espera-se tocar por um beijo quente
e que voltes à pele, morada trôpega
feito todo abraço ardente
Toda a tristeza do mundo está comigo
em todos os muros de que me cerquei
e todos os passos que não consigo
e todas as sendas por onde errei

Correndo nas veias da vida
sou como sangue que se derrama
e fraca mas decidida
tenho por certo que há quem me ama  

O caminho é perigo iminente
mas parar é tudo o que não farei
por mais que ouça tipos de gente
que se acha em terra de cegos e não é rei

Só subindo se vê a descida
e de baixo, da trama a tecitura
não fôra o perceber da vida
um acto perfeito de loucura

Hoje o presente é o que não sei
mas tenho para comigo que há abrigo
para todos os sonhos que um dia sonhei



Não suporto o nascimento da manhã
traz o universo às costas

A luz do dia cega-me
traz-me ao coração e aos olhos
imagens de coisas opostas

de corpos extremos e terríveis

E neste rol de infinitos incompossíveis
Desfaço as dialécticas invisíveis
Com uma espada de cordel

traga vinagre e fel
a boca macerada
e surge a madrugada
p'ra quem à noite foi fiel

mas a que preço este papel?
ser holocausto e ser não-dia?

o que ao espírito trairia
é o que lhe beijou a pele.
A noite passou por mim e eu por ela.
Ao lado do que passava me contristava
por ser breu em vez de bela
a toada que dentro de mim vibrava

Perguntei aos céus porque não havia lua,
enquanto que por meio árvores passava.
Se era de todos, tão minha quanto tua,
por que razão então lá não estava?

A tristeza da noite assim é descalabro
Holocausto de vivos e de mortos
que surgem trás as portas que abro

de toscos armários velhos, tortos
guardiões silenciosos do macabro
ser, que é mais detestável que os porcos

Doem-me as paredes do espírito por te pensar
quero fugir de ti
não te suporto em mim
és ácido atirado ao rosto da minha alma
é assim que apareço no espelho do meu coração
desfeita
como se fosse um monstro
que ninguém quer
que causa náuseas só de olhar

Não me quero ver
Não me quero ver

O meu corpo rejeita o alimento que provém de ti
porque não é amor
é outra coisa
é ressentimento e horror
é holocausto e dor
é de todas as figuras a mais negra que já vi

E se sinto a  pele queimar é porque quero que ardas
E se sinto a raiva vencer é porque quebro
de tanto me conter

valerá a pena insistir?



Doem-me os braços e as pernas da cabeça
magoei a alma
deixei-a caír e não mais a apanhei

Manchada de púrpura trago a pele
e discretas as feridas que me disfere a espada do teu não
sinto-me sangrar
devagar
como quem chora

caem caladas as lágrimas no madeiro imaginário
que é o meu colo

carrego-me a mim mesma às costas
porque o meu corpo é o próprio
o madeiro

sinto-me trespassada pelas palavras que destilas
enganada pelas máscaras que desfilas
e sobretudo
morta
porque os teus olhos se recusam a ver
que a que fui não mais mora nesse espelho que recusaste ser.


levo a existência às voltas de mim
das  cinzas de onde me ergo
todas as noites que amanhecem
sem serem interrompidas
pela morte figurada do sono

E mesmo quando durmo
sonho

e tenho uma segunda vida que é a noite
mascarada de todos os lugares que visito
cá dentro
enquanto acordada me adormeço
e adormecida me acordo

é mais um dia de eu
e ando por aí
a tentar ser todas as pessoas que me cabem
cá dentro

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...