Je suis fille de l'avoir peur

sou do medo inato
e  existo,
em sentido lato

grito e interfiro
mas não falo
nem respiro.

só no vapor me noto
quando choco com um espelho.
maleita assim cativa,
coma meu do agir

não há aqui nada que viva.

Falso soneto acontecido no pretérito perfeito

Rompeu-se a continuidade do sentido
não tenho nada para dar e nada me é esperado.
Permaneço neste tormentoso torpor adormecido
esperando, só esperando a esperança em que era achado.

Rompeu-se a etiqueta do pedido,
rompeu-se-me o real debaix'os pés.
Permanecerei calmo, contarei até dez
pois nada pode fazê-lo agora ser expedido.

E preso, emparedado
espero tremor que me liberte
ferozmente enlouquecido.

Ser mais do que o esperado
além-mundo e não inerte
parece mais que feito, esquecido.

adumbrados a acontecer

Quem sou eu, nós ou os outros senão uma espiral de motivos, labirinto de vivos e viveiro de cadáveres por ser, adumbrados a acontecer, presos dentro do olho?

Quantos somos nós cá dentro?

Se te dissesse meia alma, já estaria em infracção para com a outra metade, por isso calo as vozes e em verdade sei que ouves os meus silêncios com toda a atenção,

estamos presos, na infinidade, e em verdade, há uã só solução.

Desertá-la quereria, mas lembrar-me-ia dela a luz do dia.
Desertá-la quereria, mas lembrar-me-ia dela a fantasia.
Desertá-la quereria, mas lembrar-me-ia dela a pele fria,
                                                                                        a sua pele fria.

Ele há coisas em que corremos perigo e uma delas é a entrega à imaginação.
Quantos seremos nós
                                   cá dentro?

Há tentações que nos assoberbam, estendendo os seus espinhosos braços de trepadeira maliciosa. Mantendo-nos presos a nós mesmos, a nós, cegos, entregues, como se além não luzisse a torre de um farol. Mas será sempre um pequeno reflexo luzidio ou a luz ténue de uma vela que se acende, tímida, a lembrar-nos de que até a treva, para que possa ver-se a si mesma como treva, precisa de luz.

Pedido de Certidão Mortamental

Queria plurais
os momentos viscerais
em que se é si
pois além-instante nunca vi
e a flexão é feita de tormentos.

Futuro, não vivi
e o passado lateja ainda
como memória nunca finda
dos hojes que jamais vi

E torço o real
guturando anicónicos gritos
por não saber fins infinitos.

E já que a sobrevida é finda ilusão real,
resta a certidão mortal
de que somos ainda.

pluribus unus (ou esboço para outra coisa)

Queria plurais os momentos viscerais em que se é si.
Pois se não se é senão prisioneiro das paredes do instante,
de que vale tentar ser outros que não si?
Pois que si é vário, entenda-se, mas um vário uno
(pelo continuum instante)
Mas porque e como se escapa por entre os dedos temporais?
Resta-nos inquirir se devemos ou não cessar os inquéritos,
sendo tudo aquilo que não é aquilo que não somos,
assim, sem mais.

Specula

A morte já não se soergue como soía.
Espero-te no Alto em cujo colo acalmo as lágrimas
e vejo-te o rosto vivo
como se nunca tivesses trocado este mundo por um outro.
E se nos vês, o que verás das alturas?
Redondo, o infinito?
Ou um leque de abraços por dar,
aos quais só resta a forma epistular nunca findestinada?
Permanece a saudade, mais nada.
Um sentido forte de eternos reinados de absurdidade
condensados num segundo:
o da decisão.
Da tua alta e só solitária torre desesperada
saltaste sem rede, mais nada.

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...