Silêncio

Ouço uma voz cantar
aos tímpanos da alma,
este outro pesar
onde cabia a calma.
AAAAAAAAAAA
Sabia chorar,
lavar a cara em lama
e deixar-me levar
por beijos de quem ama.
AAAAAAAAAAAA
Até que veio enfim
uma bruma tirana.
Roubou-me de mim,
do canto e de quem chama.
AAAAAAAAAAAAA
Agora escuto o fim
de quem sem ser se dana.
Sem me mover, assim,
enleio-me na trama.

As Almas II

Humanas
mãos serpentinas
destilam tramas
diagonais.
Banham-se as parcas,
remam meninas
as rasas barcas
decadentinas,
cheias de lama
e de animais.
Sêcos tiranos
fétidos
mórbidos
sádicos
sórdidos,
cadáveres trôpegos,
tão naturais...
Perfumes-éter,
ébrios-sóbrios,
porcos-mundanos,
diferentes planos, sanguilinais.
Percorrem pôdres,
nacos de lodo,
estradas planas,
infernilinas.

cântico

Meu eco que não respondes, quem dera
cantasses perfumes fortes, de cor garrida,
pintasses lumes fugazes nos céus da espera,
meu ego de braços fortes e alma ferida.
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
Meu ego que bem te escondes, quem dera
pudesse escrever-te contos de outra vida,
sem espanto e lobos vorazes, feliz que era...
Meu eco, que não respondes! Estou despida...
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
Quieta me queimam fogos,
de alma fria, mesquinha e esquiva.
Grito o horror, mas adormeço aos poucos.
AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA
Sedenta, cortante e lasciva,
torço-me dor e em espasmos loucos,
sorvo do teu amor, versos da carne viva.

canção para o pelicano

Mais que uma lama feita das cinzas do meu corpo morto, cremado, não consigo escrever. Nunca voei, nunca caí e não vi o sol. Vi-te a ti, primeiro, e quando senti a alma, expulsei-a. Não faz parte de mim? Oh angústia, que serei eu se não te tolero... Se não me tolero que serás tu, aí, desse lado noturno em que és melopeia e virelai, voz do meu silêncio... ccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Como queria que te ardesses fénix, de velha e gasta que estás... ccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccccc Para que quererá o pelicano uma musa de água, quando os altos fogos se ateiam com licor...

Canção para o morcego

Abri a porta da cave. Já dizia a minha mãe, que quando fosse maior, veria a cave com outros olhos. Mas que disparate! Que olhos diferentes destes terei? Pó e escuridão. Grande coisa. Fechei a porta. Vim embora. Fui correr no parque. Rebolei num chão partilhado com gargalhadas de mil caras. Brinquei na gravilha e gastei o oleado dos baloiços. Zanguei-me e defendi heroicamente a reputação da minha boneca, mas traiu-me, a malvada! Afinal, era uma imitação. Mas que aborrecimento dura mais para mim que não poder brincar no parque? Está a chover. Abri a porta do prédio. Não há luz nas escadas, mas não faz mal; sei que os degraus são dez. Puxei da chave. Sei qual é de cor. Abri a porta de casa e acendi logo a luz. Não suporto a casa às escuras. Fiz hoje uma traquinice. Subi a um banco pousado numa cadeira em cima da mesa da cozinha. Escalei o everest. Sentada no castigo, levantei-me desafiante. Uma palmada? Não me importa! ...que não saberei de que terra sou... Bem, deixa-me lá sentar outra vez, que essa deve doer. Anda um bicho qualquer na cave. Faz imenso barulho. Deve ser um morcego, ou um rato. Abri a porta da cave. Levei uma lanterna para ver. Não encontrei o bicho, nem escutei o barulho. Fechei a porta. Vim embora. Há um buraquinho no chão da sala. Dizem que é caruncho. Vêm cá arranjar na sexta. Já não há chão na sala. Tentaram colocá-lo de novo. O morcego deve ter fugido. Há luz na cave...Vem do everest.

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...