Escrever

É urgente escrever
para que vozes entoem canções de outro mundo

para que corações se agitem
e arranquem o amor de superfície como se fosse fundo

É urgente escrever com palavras um segundo
para que ouvidos escutem
enquanto as sombras discutem
de quem são ao meio-dia
porque sabem na sua maioria
que desaparecerão
como o que se escreve a carvão.

passou-se o serão
e continua a ser urgente escrever.

se alguém o faz...             vamos ver.
A noite escorre pelas paredes das casas
a noite sussurrante
que passa no instante
que divide demónios de anjos pela cor das asas
eles voam pelas casas
e raptando para si almas que por aí andam soltas
levam a existência às voltas


A noite passou por mim

Passei a noite em claro ou em escuro, já nem sei
confundo a luz da manhã com as luzes com que sonhei
e fui sempre diferente do que me tornei

Fugi de novo para dentro de mim
vi-me só e assim
a escrever noite fora premícias de um fim

Eram pedaços de alma
era toda eu a perder a calma

Não me deixaram ser eu
ou ter algo que fosse secreto e só meu
agora grito no silêncio as dores de um que para nascer morreu

Os meus olhos marejados
Os meus membros macerados
Pesa-me o colo vazio

Na pele as marcas
na cara o frio

Anoiteceu e estou desfeita
sinto-me víuva do amor que nunca me beijou

e com estes lábios virgens
mordo passos de quem errou
toda a curta vida

acordei morta
já não me sinto

páro
pois preciso respirar
mas de peito cerrado
falta-me o ar

está tudo errado
no meu andar

círculo fechado

gastos os pés
doem-me de andar
à volta da cabeça

a pensar
que haja primavera e não me entristeça

mas tenho o azar
de usar muito a cabeça

lucidez?
vil senda essa
não há volta a dar

uma vez vista a imagem
imprime-se na alma
e degrada
a alegria que louvava
quando não sabia andar

do berço lembro-me da luz

mas sem colo
as grades frias
ainda me ferem

resta-me dormir
e ser-me sonhada
o que não consigo ser

acordada


A minha vida é como se me batessem com ela

é noite cerrada
como os olhos de um que se finou
todos os barulhos se ampliam
e as ruas não estão calmas porque nelas
o ar gela e as pedras gemem alto de tanta dor

não mais me compreendo ou sequer quero
sinto quebrarem-se-me as arestas do corpo
sinto um terror de morte
de mim

é noite cerrada
dormem os justos
e quem tem culpas como eu
engole os seus vértices
que rasgam a garganta
e fazem com que a boca saiba a sangue

e o que corre nas veias faz barulho
grita e bate-se porque se não se batesse
mataria

e os braços e as pernas ficam negros
das pancadas na alma

nunca fui tão sincera com a minha pequenez

a impotência abeira-me do abismo aos poucos
e eu sei
que fui eu própria que me arrastei

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...