Epistolarmente se dirigiu
o Poeta à Ironia
escreveu-lhe tintado um rio
posto lá,
tudo o que sabia.

"-Minha senhora não sabe
mas creio aquilo que sei."

Perguntou chovendo um dia
de que reino era Riso o rei.

Pois não soubera Ironia
Responder sem Esgar

Esgar teimava que dizia
mais que até um olhar.

Perguntou Esgar à Ironia:
"-Pensa que devamos casar?"

Mas ela só respondia
sob a forma epistolar.

Urde santa magia
trazer de reinos sem Riso a Ironia
outra forma de falar.

Mas o Poeta hesitaria
tardaria acompanhar
que Riso Esgar com Ironia
eram mó de evitar.

"-Minha senhora não sabe
mas creio aquilo que sei."

Não sabia
Que era essa, Ironia
tão indigna de afagar.

Era um homem honesto
vieram Riso e Esgar
tendo um pedido funesto
sob a forma epistolar.

"-Fale a Dona Ironia
que é dever nos alimentar."

Mas est'outra sabia
quem eram Riso e Esgar.

Então respondeu ao Poeta
de forma assaz indiscreta:

"-Sou privilégio de poucos.
Não entro em ouvidos moucos
e não creio aquilo que sei.
Sei aquilo que creio.
A vida morre e eu estou no meio."

Seguiram calados o Poeta e sua Ironia.



silentes

deslizam como tinta no papel
as lágrimas na minha pele

caem
molham
secam

e deslizam sobre a minha pele
silentes
caindo

molham
secam

fecundam a terra das minhas dores
com o calor do meu sentir
e falam
a quem as quiser ouvir

silentes
cadentes

como estrelas
do meu ver

cessariam
ao perecer

ao meu perecer


quando não Te procuro

falo mais alto
procuro mais longe

e finjo mais tempo
que aguentei

finjo mais tempo que não quebro
que sei por onde me mover
mas as paredes oscilam 
dançando com o chão

e caio
levanto-me
caminho outra vez

pergunto-me
o nada
o que é?

ouço o eco ensurdecedor da resposta
silenciosa
é tudo

afinal estamos sós
quando estamos perante nós

posso dizer que odeio
mas não sei o quê
porque só odeio quando não procuro

quando não Te procuro



Por momentos inspiro e sei
que o ar que sorvo permanece escasso
para aspirar aos sonhos que trago.

Porque um grito não cabe no espaço,
nunca vejo ou estou por onde gritei.
É ao espaço vazio que afago

Quando toco o que não está
Quando vejo o que não é
Quando ouço o que não há

Custa estar cá.
Custa estar de pé.
Custa para já.
Olho para dentro de mim como se fosse
e sendo completamente opaco o meu interior,
então, procuro-me no espelho dos teus olhos, estultamente.

Que desmesurada forma de medir a altura do meu merecer.
Cobardemente recusando auscultar o contrário que me impões.

Vejo ao contrário e sei-o, mas olho com mais atenção
e chego a acreditar que o verdadeiro contrário é o que não posso ver.

Engano-me.

E então ergo alto o protesto, sofrendo-o.

Na escrita não há que enganar
porque o primeiro traço não se vê,
porque se escolhe o que se quer mostrar
e precisamente nas entrelinhas o que se lê.

É um tocar feito de dizer.
E toca-se até no que não se crê,
porquanto ao ouvido possa tanger
uns ares daquilo, disto ou de não-sei-quê.

E por muito se possa cingir
ao nada o todo dizer,
nisto um livro não pode mentir:

Que a cada ponto se pode expirar
e escolher ser essa a última expiração.

Antes de pôr fim e a capa cerrar,
temos um livro aberto na mão.


Quem peca sem se quebrantar é anjo
e traja de negro.
E rouba por entre chamas da pele o sossego.

Enquanto enclausura é doce,
mas logo se faz acidez,
queimando o espírito,
levando a lucidez,

Ess'anjo arrebata
e ameaça que mata.

Tira até o que não se tem
Leva o porquê e o como.

Mas não o quê.

Não o quem.

Abrem-se e nove são,
as portas da perdição:

uma primeira que perde avistar
que há uma segunda que perde o querer
cinco que perdem os sentidos
uma oitava que perde o pensar
e outr'última que perde o saber.

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...