O meu inferno é um jogo de espelhos
que não repetem o infinito
reflectem
            sós
                fogos vermelhos
que nada têm de bonito

espelham-se a dor e o caos
que dançando se replicam
por serem tanto crus como maus
cegos para o tudo que implicam.

será esta danação a única
ou de uma outra maior
apenas o começo?

a teia que teceu esta túnica
não pudera fazê-lo melhor
mas, afinal, a que preço?
Brilho de azuis ofuscantes
entra pelos olhos ofegantes
de quem quer ver a luz.
Mas será que a esta última
é mesmo a vista que conduz?

Aos olhos como aos corações
fala-se em línguas diferentes
e no fim sobra o espaço
de palavras inexistentes.

Sabe melhor falar ao peito o infante
que o polido eloquente.

Isto porque se exprime o instante
em gestos de sorte diferente.
Vejo corpos flutuarem pelas ruas.
Enchem as veias da minha cidade.
Onde irão estes corpos sem morada
de rostos habitados em verdade?

Palpitando de forma velada,
assim como quem não tem mesmo mais nada
além de um compassado ser-sentido forte,
perdem-se imensos em si-saudade.

Saberão onde ir
estes fantasmas figurados
de espírito soprados
                              quais corpos de abandono

Ora, em virtude do silêncio os abono
e sempre a meu favor

pois reconheço estar a sós
                                o desespero
com os desesperados

Nascemos alguns já finados
                               que injustiça e desaforo
haver vidas já morridas
bordoadas por outros a ouro
pelo que parece tudo o que não é
                                
                                   traiçoeira, a lucidez

vistas por esses olhos, estas mortas vidas
como se fossem na sua morte vividas
mais nobres que outras simples duas ou três.

Faz frio cá dentro

abri a porta da alma e faz frio cá dentro
e meu espírito treme

e não era de todo meu intento
que fizesse frio cá dentro

Mas a culpa é de um espaço tão vasto
                                     quão cheio de vazio

Preferia meu coração gasto
                                     à alma fria
pois no fim
              não encontro lá nada


não me reflecte o espelho que lá havia

não me reflecte
não te reflecte
não reflecte nada

Talvez não o tenha visto
                               ou lá nunca estivera

Pois

Sempre me procurei cá dentro
Porque o que agora é fora
                                  já fôra cá dentro
e eu sei-o
sei-o tão bem quão mal me sei a mim

E              
                      suspeito         
nunca saberei
se é real e se é assim

mas não importa

pois tenho para comigo
                        ser a alma uma porta
                        o coração um abrigo

assim sendo
o que uma por vezes comporta
é para o outro um castigo
porque as naturezas são diferentes
mas não a pessoa
                          que intentando ferir-se até que doa
lembra que em verdade e no fundo
crescer in medias mundo
magoa.
                         
Sobre o vidro jaz uma sombra ténue. Jaz lembrando o que, ora esquecido, se mostra agora. Nem a luz que a recorta se incomoda. Deixa-a só mostrar-se sombra e contraluz e o recorte que faz seduz.
A lâmpada do tédio permanece quieta e apagada. Tudo quanto do tédio é morada faz-se por não se ver. Brilha contrário por não antever o avesso disso. Brilha fugaz no seu sumisso, essa sombra de adormecer.
O meu génio fora outro, não escrevia.

Menor seria o meu sofrer
se soubesse este escrever
pertença de quem não temia.

Mas sou frágil, sou pequena  e sou só.
E tremo pensante que um dia serei pó.

Mas minha escrita de pé semblante
durando mais que o instante
                                   que o corpo permitiria
ficando viva,
                   ainda,
seria
a vitória sobre o pó

Que devaneio este meu,
querer sem escada alcançar o céu

qual tamanha desmesura

Mas será outra coisa ser poeta?
Será que um grande verso enceta
pedir menos por ventura?

Calada por já espero o perdão
por toda a ponta de vaidade
pois sei que bem e em verdade
      meu eu
            não passa de uma mão.


Fico feliz quando aconteço
uns ares de maresia,
mas tudo tem um preço
e se pensava que o esquecia,
pensava mal e não mereço
glórias vãs do que seria
querer um pouco do que teço
à volta simples da meresia

Pois com simplicidade obedeço
fazendo meu o que não cria
sem contemplar o que pareço

E aos poucos enquanto caía
pensava que aqui o que peço
é mais do que podia

e assim estabeleço
a sobrevida de outro dia.
E o corpo, enchendo-se de torpor
renunciou à vigília e adormeceu
                                pesarosamente
o sono de muitos anos

Nada o cativava mais e           só
                                    tremia
talvez nada lhe dissesse nada mais já

Podia ser da repetição
                                  mas não era
era mais um nascituro cansado deste mundo

e do outro
               e
sem mais
              sobrava-lhe o tédio

Um tédio sofrido

constituindo-se em angústia

De cada vez que mais um pouco
                                          o destruía.
e assim ficou ainda mais só
                                          se possível
ainda antes de ser
sem que no entanto lhe tirassem
                                          o peso de ser
e essa é de todas
             a maior crueldade
                        que lhe trazem os dias.

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...