Olho-me inautêntico
porque onde me procurei idêntico
encontrei um vazio.

Derivar-me de mim
é o vazio
mas de onde virei assim
se não venho de mim?

E onde estou
se não fico aqui,
se não estou em mim?
Se não estou aí?

Se sou,
como venho a ser?
E como posso viver
sem saber ser
de cada vez e sempre

ciente

e confrontado
                    com o que me excede

completamente?
Quis olhar para mim
observar-me,
mas não me encontrei a sós
nem me encontrei a mim,
mas a um outro
que era um espelho
no qual ora me via
ora não
mas senão a dois
eu e ele que era eu
e ele e eu que era ele

mas onde estava eu se era ele
e onde estava ele se era eu
senão num jogo de espelho

quebrei-o
Oh, Deus que fizemos nós?


Essencialmente existimos
sendo essência
e existindo essencialmente somos

mas o quê?
o quê?

dúbio
dúbio

duplo

duvidoso
duvidoso

mas o quê?

e então enlouquecemos
desespero

porque duvidamos
totalidade.

vária III -- Parto

Corro
Embato contra uma parede

Corro
O meu corpo funde-se com ela

áspero
macio
áspero

uterino

Confundo-me com ela


Saio
Encandeia-me a luz
Saio

Sinto o corpo partido
enquanto me separo dela

ÁSPERO
ÁSPERO

Confundo-me com o mundo

Sinto
Sucedem-se as cores
Sinto
Formas diferentes
                           sucedem-se enebriantes
sem foco de atenção

E eu
       correndo contra um corpo-fusão
                        desmancho-me em pó
                                  e cinza no chão.



vária I -- Nenhum pode viver enquanto o outro sobrevive



É dos mortos que os vivos nascem,
e não há outra sorte de vida
que não implique a morte do que sobreviva.
Porque viver o sobrevivente é agrilhoar o vivente 

e morrer

Porque morrer o sobrevivente é fazer o segundo nascer,
enquanto o primeiro perece

silenciosa
                mas violentamente

Pois girar o ponto de vista da gente
faz ver decisivo e diferente.
Não o que era em si incisivo,
mas o que era impedido ao vivente.

Porque as incisões são cortantes,
e sobrevivendo em formas instantes
Perde-se a eternidade e, de todo, o ideal.
E não se quer sorte que tal,
senão uma que clame verdade.

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...