Em Silêncio

Verte-se o tempo nas horas
como se o tempo se pudesse verter
como se o oceano todo
coubesse num copo
e o sal se pudesse beber

inventaram-se os rios
para que as lágrimas fluíssem
discretas
entre margens concretas
para não magoar

mas porquê esconder a tristeza
se até a mais magistral beleza
pode ser e é fugaz

é que a vida não traz
cartas do próprio passado
e quando vem, vem a nado
dar à Foz que a fez
contas do que tem passado

e antes que lhe tirem a vez
passa em nós
para que não nos passe ao lado
o lado perene
da Beleza que em silêncio nos fez
Perdi-te pelo caminho primeiro
e era tão longe e dura a estrada
que sim
também
a mim
o caminho perdeu

andei à deriva e cedi
à vontade de parar
pois já não me estava a guiar
p'la luz do caminho

era só o passo poucochinho
do meu cadáver
que seguia viagem

porque repito
que sim
também
a mim
o caminho perdeu

Passaste a mão pelo cosmos
a sitiar as coisas belas
para que pudéssemos contemplá-las
todas as noites em que a tristeza é maior
e lembrar-Te nelas
e que estás, sobretudo, comigo
mas sempre
com cada um
de todos os outros

sofro de multidões cá dentro

por ti feri o corpo
nadando num mar de sargaço
e quando cheguei a bom porto
ele desmoronou-se
como tu

sofro da solidão que há nas multidões
sofro do pranto de multidões por dentro

prante um sentido implacável
de um nada indelével
numa batalha intransponível
do amor imóvel
de uma filiação indissolúvel

queria que me escutasses
nada mais
Foste futuro um passado
que não lembrou à lembrança
um capricho-criança
um querer embrulhado

Foste fruto e esperança
num ponto-nó rematado
foste a ponta da lança
mas feriste enganado

O que não te cabia
mataste por ser teu
A luz brilhante, o teu dia
perdeu o brilho, esmoreceu

Foste franco na dor-amor
mas perdeste a tua demanda
foste rumando como quem anda
até que a sentiste dor
Uma folha em branco
é um amargo de boca
um sôco no flanco

resto de eternidade sempre pouca
para se arrumar a um canto
refúgio da mente louca

num verso
o repente
não pede tanto

apenas bocados de gente

a que passa ficando
presa na alma
a esburacar o coração
Há gritos que dobram nos arvoredos
as noites dos meus medos
incessantes ensejos
de querer sem desejar ter desejos
sem braços abraçar em esbracejos d'alma
a calma que perdi
quando outro dia te vi

deslumbrei por te ver o rosto
mas para meu desgosto
já te tinham levado
Está perto a alma
que me esconde debaixo do braço

é a alma do traço
que discorre p'lo papel

está junto da minha pele

aquece macio
afasta-me o frio
de que outrora era feita

e como um perfume
que se deita
leva-me, que o sinto, ao arrepio
de me sentir eleita p'la paixão
É no silêncio que me escondo
quando da vida não vem som
e então durmo um sono
feito de cinza e escuridão

é ao cansaço que respondo
quando o corpo à tona da alma
se perde em tons de quem quer calma
e então durmo um sono
difuso entre o céu e o meu chão

meia nuvem abaixo
entre a luz e a penumbra
escondo-me na umbra
e peço a Deus
um anjo por irmão.


cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...