A sombra da minha dor
desmaia para as beiras dos abismos

O som do meu grito
apenas no silêncio se diz

O tamanho da minha ferida
Só o fundo do inferno sabe

E ,ainda assim, as portas estão todas abertas
Soprando na umbra, lento
reacende no espaço temeroso
revolvendo das almas o vento
à luz de um dia vagaroso

Figuras figurando vazias
perguntando, avançando destemidas
não na senda que trazias
mas só naquelas percorridas.

Que corpos serão estes despojados
das promessas de calor que lhes fazias?
Serão dolentes adornados de brocados
matando à esperança o fervor todos os dias?

Mortandade

Desta vida erma e triste
compadecer-se-á quem?
Quem a vive ledo e triste,
ou os que já não a têm?
De todos os cantos

o silêncio

preenchente das paredes desta casa
a casa do meu corpo

avança

vai roubando vida aqui e ali
e na casa do meu corpo já não se chora,
não se sorri

o silêncio

avança

a vontade alastra-se, mas sem ser desejo
morre
uma morte infeliz

Na casa do meu corpo habita tudo
o que eu nunca lá quis
Quis gritar e apertar no peito
lembranças de outra vida, outro lugar
em que os teus braços apertavam estreito
este meu sentido de ser para te amar

Foste-te só e deixaste em meu leito
Fulvos os lábios a acariciar
os meus já frios, trémulos, sem jeito
Por saberem talvez que te ias apartar

Deixaste a notícia sem sabor algum
gélida, quebrada repente e sem fervor nenhum

Já não me querias

Amei-te e dei-me até ao fim
O teu não matou o nosso sim

Sobram sós as sombras, vagas fantasias.
Era um rasgo em verso
um verso à vez

Tinha um humor transverso
que virava o humor ao revés

Por entre si anteviu
de versos fome, sede e anseio

Foi mais um espelho que se partiu
Depois em cacos,
mas primeiro ao meio
O corpo abre-se em fissura
Adivinha do horror a tecitura
Num toque que não se diz

Quisesse o desespero partir de mim
Deus o permitisse

Partisse ele sem que eu partisse
Restasse eu para ser feliz

Sacode-me um temor inominável
co'a violência que não se diz
luto inglória demanda intocável
pela mão das horas, pelo não quis

O acumular dos dias não tem descanso
segue em atropelo uma pressa infeliz

Vai-se articulando uma desconfinaça
Mas e que rosto tem o que não se diz?

cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...