Pharmacia VII

Osculaste-me a face fria
Ácido um não-querer
Marca que marcou vazia
A forma de não te ter.

Forçado não tardaria
O ósculo a me tanger
Tocando-se noite e dia
abismou-se o entardecer.

Tão tarde me sorriria
Fosse eu ao menos saber
Que o fogo me guiaria
Na senda ao não fenecer.

Por fim vejo, fugiria,
O medo ao aparecer
Estrelado que firmaria
o céu a te obscurecer.

Tidos solilumes por guia
No firmamento a acontecer
A boca consumaria
Só o que na alma não pôde ser.

Um outro que surgiria
Para vir ver então vencer,
Do ósculo que arderia
Na face a se condoer.

Est'outro remendaria
Adumbrada a face em descrer
E cândido curaria
O que teimava carecer.

Pharmacia VI

Debrucei-te sobre o abismo.
Foste ao arrepio de ser.
Eu, nascendo-me em ti,
Fui outra da que ousei nscer.

Feito todo ferida toda,
Gozaste em vida o teu morrer.

Enquanto pude, forcei-te a ver
para além do visto e do perecer.

Em tudo isto roubei-te do tédio
E já que a morte é simples,
Toma-a como remédio.

Debrucei-te sobre o abismo.
Foste ao arrepio de ser.
Gargalhei tanto que me morri,
Em meio o que o riso pôde fazer.

Feito todo ferida toda,
Gozaste em vida o teu morrer.

Enquanto pude, forcei-te a ver
para além do visto e do perecer.

Em tudo isto roubei-te do tédio
E já que a morte é simples,
Toma-a como remédio.








Assolapsado

As mãos movem-se
guiadas pela música invisível
das palavras que lhe escorrem pelos lábios

é tão extraordinariamente ingénua

está distraída, talvez

cristaliza o agora em todos os gestos passados
que parecem por ela não ter passado
ou sequer serem passado

talvez já tenha nascido distraída

os dias sucedem-se
os agoras tonam depois
e por fim há poucos

e de facto, há poucos.

poucos segundos em cada hora
poucos sentidos para o agora
que não sejam depois

passado
simplesmente passado

os extremos puxam um elástico redondo
que é o todo de todos os momentos agora

não há pontas neste nó
é simples e é só

assim, move-se quieto
mais que qualquer frenesim
e vai escorregando
à medida que escoadas as palavras
se evadem da boca

é sempre a boca
que jorra instantes
redondos e frágeis

como bolas enormes de sabão

ondula-as o vento
o mesmo vento que as faz colapsar
antes de cumprido
o beijar de uma barreira
como o chão

às vezes é só o dedo de uma criança
e venha outra bola de sabão

é assim que se substituem os mortos

tão frágeis como a batida de um coração

os momentos
os instantes

todos antes de si
e depois de nós

sempre à frente
de todas as partes de trás

um lapso
outro
e outro

e volve sempre o mesmo
o diferente sempre igual a si diferente

e tange a quietude
sempre se movendo
em direcção a outrem
que é só si

e as palavras escorrem-lhe da boca
a sensação será para sempre doce
mas tão doce nunca será como nunca foi
e sempre
para sempre
procurará

chegar hoje ao ontem que lá não está

não só porque já foi
não por ter sido um já
acontecido

mas precisamente porque
como agora acontecido ontem
nunca foi

e amanhã só vai continuar
à procura de ter sido.









Pharmacia V

Sem rumo ou ambição
fora essa que anuncia
o que é ter n'alma da mão
uma espada que se afia

Continua caminhada
com a tez mui branca e fria
pela senda desenhada
pela sombra que surgia

E da morte anunciada
ouve um grito que abala
a submissão emancipada
de uma vida que se estala

E dolente de outros modos
sente o corpo a latejar
gritantes, veias e poros
q'inda havia o que matar.

Pharmacia IV

Todas as dores
são invisíveis
e são às cores
porém intangíveis

Quem quiser amá-las
sofrerá terríveis
as desvontades de curá-las
p'ra que sejam sofríveis

A deslógica dor
torna silêncios audíveis
revela do medo ao horror
espectros incompreensíveis

Pharmacia III

Encostou o ouvido à cabeça
e ouviu a um som amarelo.
Por mais estranho que isto pareça
tinha o encéfalo feito farelo

Lá dentro uma certa faísca só
iluminou, ficou azulado
era portanto uma sinapse em pó
vinda de algures um qualquer lado

A caixa crânea estava vazia
de todo, nada aí estava animado
fora o neurónio que lá dormia

Não fazia fé ser acordado.
Por tudo quanto parecia
há muitos anos qu'era finado.

Pharmacia II

Com que dores se pariu
o batente empedernido
molhado de lágrimas em rio
aos pouquinhos foi remido

Tornado carne o batente
fez-se feito um coração
falava-lhe agora toda a gente
co'as palavras de um irmão

Mas quem via isso agora
era quem lá não pertencia
era quem estava de fora
do mundo em que vivia

Fora-dentro pois morava
o olho que ao Todo via
Não vendo o visto assim esbarrava
contra um muro de ironia

Esta mão que perfurava
ao horizonte a fátua linha
no peito ia e guardava
aquilo tudo que não tinha

Pharmacia I

Tendo febre de querer
tombou querendo
e querendo quis coser
o seu remendo

e na ânsia de remendar
o que estava morrendo
gangrenou sem se curar
ou condoendo

Neste reles só intento
foi correndo, foi andando
sem que sombra de unguento
o intentasse ir curando

Não queria

O seu sonho era a Maria

E curar um coração
infectado de paixão
é tarefa hercúlea

Talvez o consiga a Júlia
Às vezes é preciso caír,
para perceber que se estava de pé.

Os pássaros também caem,
mas na sua trajectória descendente
encontram as asas
abrem-nas
e erguem-se em voo

são especiais por isso

Às vezes não somos como os pássaros
caímos a pique
e do chão olhamos para cima e parece que a altura é grande
mas saiba a vontade de levantar ser tão grande como a altura da queda

Às vezes é preciso parar de correr
para olhar em volta e para trás
e ver que o caminho é bonito e feio em volta
e sempre menor para trás do que para a frente
preciso é, cá está, escolher para que lado nos viramos
se para a frente
se para trás.




cinco anos de silêncio e uma tal de falta

E parecia, sim, que a vida tinha perdido alguma cor Que o frio gelava mais,  que o sol já não brilhava da mesma forma E eu só queria que me ...