Na contínua mortalidade do agora
seguem-se vagas de ondas de depois
e esperando calmamente a hora,
faço da espera um caminho a dois.
O passado não é de agora,
nem o é o que há de vir
e no entanto já passou a hora
e o devir
Tudo o que há é momento
que morre a cada segundo
e todas as frases são falsas
porque não são frases do mundo
Entre mim e o meu espírito
surgem ânsias de partir
para outro lado que seja um lado
onde o tempo possa ir e vir
Porque é escasso
tolda o olhar de longe
e tranca o hoje no mosteiro do sempre
para que se comporte como um monge.
E é em silêncio que vem,
como em silêncio se vai
Por não poder ficar no papel
escrito a negra bílis e fel,
agride quem quer escrever
para que outros não possam mais
que o que o primeiro pôde ver.
Entre as veredas do ontem
jaz o que não pôde ser
e se o passado não viu,
o futuro também não pôde ver
Se actualizo agora
o que deve e não deve ser,
faço-o porque tenho uns olhos
que são olhos de ver.
Entre mim e o meu eu
há um abismo de agora
que sedento engole
todos os segundos da hora
E será assim até à malfadada morte
que cai sobre as almas de qualquer sorte
e significa não tanto o fim como um corte
entre o que era e o que passou a ser.
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