As mãos movem-se
guiadas pela música invisível
das palavras que lhe escorrem pelos lábios
é tão extraordinariamente ingénua
está distraída, talvez
cristaliza o agora em todos os gestos passados
que parecem por ela não ter passado
ou sequer serem passado
talvez já tenha nascido distraída
os dias sucedem-se
os agoras tonam depois
e por fim há poucos
e de facto, há poucos.
poucos segundos em cada hora
poucos sentidos para o agora
que não sejam depois
passado
simplesmente passado
os extremos puxam um elástico redondo
que é o todo de todos os momentos agora
não há pontas neste nó
é simples e é só
assim, move-se quieto
mais que qualquer frenesim
e vai escorregando
à medida que escoadas as palavras
se evadem da boca
é sempre a boca
que jorra instantes
redondos e frágeis
como bolas enormes de sabão
ondula-as o vento
o mesmo vento que as faz colapsar
antes de cumprido
o beijar de uma barreira
como o chão
às vezes é só o dedo de uma criança
e venha outra bola de sabão
é assim que se substituem os mortos
tão frágeis como a batida de um coração
os momentos
os instantes
todos antes de si
e depois de nós
sempre à frente
de todas as partes de trás
um lapso
outro
e outro
e volve sempre o mesmo
o diferente sempre igual a si diferente
e tange a quietude
sempre se movendo
em direcção a outrem
que é só si
e as palavras escorrem-lhe da boca
a sensação será para sempre doce
mas tão doce nunca será como nunca foi
e sempre
para sempre
procurará
chegar hoje ao ontem que lá não está
não só porque já foi
não por ter sido um já
acontecido
mas precisamente porque
como agora acontecido ontem
nunca foi
e amanhã só vai continuar
à procura de ter sido.
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